“O HORIZONTE DE ATON”
Ensaio sobre um caso particular de Urbanismo e Arquitectura no Antigo Egipto
AKHETATON : El-AMARNA : العمارنة al-‘amārnä : AMARNA[1]
27° 39' 42" N, 30° 54' 20" O
Por: Filipe Gonçalves Teixeira . Arquitectura Paisagista FCUP: C0620001
No âmbito da disciplina de Historia da Arte leccionada para o curso de Mestrado Integrado em Arquitectura Paisagista da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto propomo-nos a realizar um trabalho sobre um caso particular na historia da Arte em geral e da egiptologia em particular. O primeiro ensaio entre vários que irá no fim ser compilado num dossier final da Disciplina atrás referida.
O ensaio em questão pretende reflectir sobre um período deveras importante na Historia da Humanidade abatendo barreiras entre áreas de conhecimento . A importância desse momento reflecte-se em áreas como a Historia , a Cultura e Mentalidades , a Religião , a Arquitectura , Urbanismo, Trata-se do chamado período Amarniano cronologicamente inserido no império Novo (1580 a.C.[2]-1069 a.C.[3]). Período de alguma forma curto nos “Tempos Longos” da Civilização do Antigo Egipto inserido na XVIII dinastia (1580 a.C-1314 a.C.)[4]. Definir balizas cronológicas para a civilização egípcia é uma tarefa deveras complexa , de facto cada autor remete-nos para a sua particular visão cronológica , contudo a maior parte das fontes consultadas coloca o período Amarniano nos meados do século XIV antes de Cristo. (circa 1378 a.C.-1354 a.C.) coincidindo com a governação do Farao Amenofis IV também conhecido pelo nome de Akhenaton. De facto foi durante o Reinado de Akhenaton que se viveram momentos pioneiros na Historia da Civilização Humana. O motor deste pioneirismo é a alteração de mentalidade no âmbito espiritual, de um passado marcado pela presença de divindades mil , culto Politeísta, Amenofis IV altera esta visão para um culto Monoteísta subordinado ao Deus Aton – O disco Solar. O Egipto passa assim de um culto subordinado pelo Deus Amon-Ra entre muitos para o culto do Deus Único , um Deus muito próprio, acessível apenas através da mediação única do Farao e família Real. Estão assim criadas condições para a legitimidade do novo poder Politico junto dos subordinados.
O Egipto é a primeira grande civilização da humanidade, o que permite essa criação é a particular localização Geográfica , junto ao poderoso Rio Nilo, fértil e dador da vida, tal como Heródoto nos transmite. Através do Nilo os grandes passos primordiais da civilização humana vão ser dados nomeadamente o aparecimento e o domínio de técnicas agrícolas naquilo que a historiografia apelida de Revolução do Neolítico. Com o domínio de técnicas Agrícolas o Homem tem condições para se instalar deixando de lado o nomadismo em favor do sedentarismo. O carácter tribal e familiar é substituído com esta opção sedentária pela necessidade de criação de povoações, a cidade . O aglomerado populacional caracteristico da cidade permite desta forma o crescimento cada vez mais acentuado da relação entre subordinantes e subordinados , isto é aqueles que governam e aqueles que são governados. O antigo Egipto é assim caracterizado pela forte presença de um estratificação social acentuada em que no topo da pirâmide está o Farao e sua Família, que governam legitimados pela Mitologia Egípcia cuja gestão está ao cargo da elite espiritual dos Sacerdotes. Este modelo que se expande ao longo do Rio Nilo desde a primeira Catarata (Alto Egipto) ao delta do Rio Nilo (baixo Egipto) é sustentado por uma forte funcionalidade publica constituída desde simples funcionarios publicos , Escribas (elite Intelectual) aos grandes Vizires. Na parte inferior desta Sociedade figuram os Artesãos, os Camponeses e pescadores e enfim o Estrangeiro e o escravo numa fase mais avançada desta civilização, causa directa do desejo de expansao e necessidade de defesa perante as civilizações vizinhas emergentes.
No contexto desta visão podemos compreender como o passo pioneiro de Akhenaton é deveras importante nomeadamente no âmbito religioso como mediador entre a Divindade e o mundo terreno agora geridos pelo próprio Farao e uma classe Sacerdotal “convertida”.
Após cinco anos de governação de Amenofis IV, filho legitimo de Amenofis III e da Rainha Tiy, em conjunto com a sua Rainha Nefertiti, o Farao decide deixar Tebas e fundar uma nova Capital, suportado pela sua nova visão espiritual. Junto ao Nilo na margem direita, logo a Oriente, posição onde o Sol se levanta, o Farao agora apelidado de Akhenaton instala os limites da cidade através de diversas estelas espalhadas pelo território escolhido onde o Sol não falta. Nestas estelas Akhenaton revela-nos a filiação com a nova Divindade auto-denominado-se de filho de Aton.
A cidade é composta como uma espécie de cidade Jardim[5] . paralela ao curso do Nilo. O grande eixo norte-sul da cidade é a grande via real com cerca de oitenta pés de largura , exposta ao poder tórrido do Sol[6]. Ao Longo desta via encontravam.-se os principais edificios da Cidade : Palácio, Residência Real , Templos e casas principais dos altos funcionários Reais. Apresenta-se assim um conceito de aparente planeamento prévio da cidade. De facto a cidade esta dividida em varias partes (ver figura 1) cada uma delas associadas a determinado tipo de residente e actividade – numa reflexão pessoal isto demonstra uma hierarquização de espaços consoante a importância social de cada grupo , demonstra ainda um carácter pioneiro de especialização da cidade com um paralelo muito sincrónico com a experiência contemporânea do movimento moderno em arquitectura com a famosa Carta de Atenas- desta forma no extremo norte da cidade destaca-se o Palácio a Norte; na parte central da cidade encontram-se os principais imóveis tais como o Grande Palácio ,o Harém e a grande sala Hipostila , a Casa do Rei, Os dois Templos principais dedicados a Aton: O Grande Templo Gem-Pa-Itom e o pequeno Templo Pa-Hut-Itom , Os Armazéns e Arquivos Reais , Os escritórios Sacerdotais e dos Ofícios e também o Quartel Militar e da Policia.(ver fig3). A Sul da Cidade o Palácio Maru-Aten e o templo Kom-El-Nana. Numa posição mais a Oriente da cidade a vila dos Trabalhadores, uma grelha quadrangular amuralhada de habitações, apoio para os artesãos que construíam os diversos túmulos dos altos funcionários, família Real e Nobres residentes na cidade.
A Importância Urbanística e Arquitectónica da parte central da cidade é inegável também pela sua função. A proximidade das estruturas politicas e Religiosas demonstram o objectivo filial de Akhenaton ao novo Deus do disco Solar e aos seus desígnios como líder politico e religioso. A já referida via Real dividia dois espaços funcionais de uma lado o Palácio com a sua imensa e imponente sala Hipostila a sul do complexo, local de certo para recessão de emissários estrangeiros ( uma vez mais numa reflexão pessoal a lembrar a grande sala hipostila do palácio de Persepolis no Irão, do ponto de vista da funçao). Uma ponte ligava o palácio a residência real atravessando a grande via real . Imediatamente a sul da residencia real o pequeno Templo de Aton (Pa-Hut-Itom) rodeado por uma muralha e bastiões, constituído por três pátios precedidos pelos pilões. A norte da residência Real, o grande templo de Aton , grande complexo chamado de Per-Iten, constituído por um edifício de planta alongada onde se encontravam as mesas de sacrifício (Gem-Pa-Iton) a sua entrada fazia-se pelos dois Pilões estruturas comuns desta tipologia de Arquitectura Egípcia , seguidos de um espaço intermédio dois Pilões adoçados a uma estrutura Hipostila precediam os vários espaços de altares de Aton. No outro extremo do grande recinto o santuário, de planta Quadrangular constituída por diversas áreas precedidas pelos Pilões. No recinto Per-Iten existiam ainda as áreas das mesas de oferendas o pátio dos talhantes. O efeito inovador destes espaço para alem da diferença de funcionalidade proporcionada pela nova liturgia associada ao deus único Aton e para alem das planimetrias não habituais nomeadamente do Gem-Pa-Itom muito alongado é a característica dos templos não serem cobertos com os altares ao ar livre onde o Sol mergulhava livremente no espaço , obviamente solução Arquitectónica relacionada com a funcionalidade e simbólica do culto de Aton. Uma outra inovação é praticada na construção quer dos templos como dos outros imóveis da cidade, anteriormente tentados em Tebas nomeadamente em Karnak, no reinado de Amenofis IV ainda antes da mudança de capital. Trata-se do uso do chamado Bloco Talatat, forma estandardizada de blocos de pedra, material de construção com cerca de 27 por 54 cm, esta solução engenhosa demonstra a necessidade da construção rápida da cidade contrariando a tradição egípcia do uso de grandes peças monolíticas para a construção.
Uma outra característica desta cidade. Tal como Delfante na sua grande historia da cidade nos transmite é o carácter paradisíaco associado a profusão de Jardins. De facto a analise de planimetrias visualizadas através da bibliografia consultada e dos sítios da net muito específicos , indicam isso o exemplo do pequeno templo de Aton é demonstrativo com o seu lago e a sua grande área ajardinada , mas também os espaços associados ao poder Real.
A arquitectura Domestica tem na experiência Amarniana uma importância notável ate então não apreciada no Egitpo. Claro que esta afirmação pode ser contrariada com a impossibilidade registos anteriores ou mesmo posteriores ao período Amarniano uma vez que os espaços domésticos eram quase sempre construídos com materiais perecíveis mas tambem pelo desgaste do tempo de facto o final abrupto do período Amarniano com a morte de Akhenaton e o abandono da cidade e sua destruição ate ao fundamentos e respectivo regresso a velha mitologia permitiu o “descanso” do registo urbano ate a sua descoberta no principio do seculo XIX como o celebre “Description de L’Egypte” o comprova.
Para alem do Palácio e da Residência Real e outros espaços associados a família Real como o Palácio a Norte, devemos referir as casas de altos funcionários como é exemplo (figura9.) a casa do alto funcionário da administração do templo de Aton adjacente ao próprio termplo. Expressão notável da tipologia habitacional , de grandes dimensões, constituída por diversas áreas com determinadas funções : oficinas, jardins, pátios, estábulos , fornos, armazéns e espaços de alojamento dos proprietários e empregados. Muros altos dividiam o espaço urbano do espaço habitacional , definindo assim a área da casa assegurando a privacidade. Esta descrição remete-nos para a característica habitação do mediterrâneo e da casa-patio[7]. Também as casas dos Trabalhadores na parte oriental da cidade nos remete para a característica da habitação mediterrânica que ainda podemos encontrar no mundo islâmico , desta forma mais modesta e comunitaria como a figura 8 nos transmite.
A Importância do período Amarniano é considerável quer na inovação de soluções de construção como na originalidade de novas soluções para a tipologia do Templo. Apesar da tentativa de apagar o passado Amarniano pelos sucessores de Akhenaton da dinastia XVIII do Império Novo o fim desta dinastia estava próximo com Tutankhamon. A próxima dinastia dos Ramsedias vai apesar da ocultação do passado Amarniano demonstrar a importância do Urbanismo como os registos seguintes vão comprovar. A experiência Monoteísta pioneira é esmagada pelos sucessores porem ainda no Egipto num período posterior (os registos históricos e arqueológicos apontam o reinado de Ramsés II) o príncipe meio egípcio meio hebreu resgatado das aguas segundo a tradição do livro guiará o povo hebreu através do monoteísmo de Yahweh o senhor Adonai do “povo escolhido”. Alem da importância civilizacional do período Amarniano como momento existencial, também do ponto de vista do estudo e percepçao do Egitpo como Património o exemplo de estudos realizados por Christiane Desroches-Noblecourt e a sua monografia dos anos 60 sobre Amarna que infelizmente não consegui consultar.
[1] Fonte: WIKIPEDIA
[2] LEVEQUE. Pierre, As Primeiras civilizações…p.228
[3] SHULZ, Regine….p.528
[4] LEVEQUE, Pierre…p.228
[5] In. DELFANTE,Charles…p.38
[6] In MUMFORD, Lewis…p.101
[7] Não estando associado a pesquisa deste trabalho contudo remeto a leitura para um excelente livro sobre o estudo da tipologia da casa-patio associada ao mundo mediterrâneo: CAPITEL, Anton – La Arquitectura del Pátio.Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2005. ISBN 84-252-2006-8
Fig1.Mapa geral da área da cidade (varias fontes)
Fig2.Vista aérea da cidade (in. The Ancient City of Akhetaten at el-Amarna [on-line])
Fig3.Planta do bairro central (in. BENEVOLO, Leonardo….p.50)
Fig4.Estrada Real e ponte ligando Palácio a casa do Rei (in. WILDUNG, Dietrich…)
Fig5. Santuario do grande Templo do Deus Aton Gem-Pa-Iton (in. The Ancient City of Akhetaten at el-Amarna [on-line])
Fig6..Grande Templo de Aton Gem-Pa-Iton. (in. SHULZ, Regine…p.200.)
Fig8. Moradia de um Alto Funcionario (In. SHULZ, Regine…p.391)
BIBLIOGRAFIA
BENEVOLO, Leonardo – Historia da Cidade. São Paulo: Editora Perspectica, 2001. ISBN 85-273-0100-8.
DELFANTE, Charles – A Grande Historia da Cidade. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. ISBN 972-771-207-X
DESROCHES-NOBLECOURT, Christiane – L’art Égyptien. Paris: Presses Universitaires de France, 1962.
DONADONI, Sérgio – O Homem Egípcio. Lisboa: Editorial Presença, 1994. ISBN 972-23-1812-8
Enciclopedia dell'arte antica : classica e orientale. Roma : Instituto della Enciclopedia Italiana, 1958-1985. - 12 vol.
JELLICOE, Geoffrey; JELLICOE, Susan – El Paisaje del Hombre. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2004. ISBN 84-252-1658-3
LEVEQUE, Pierre – As Primeiras Civilizações, Volume I : Os Impérios do Bronze. Lisboa: Edições 70, 1990. ISBN 972-44-0574-5
MORINI, Mário - Atlante di storia dell'urbanisca : dalla preistoria all'inizio del secolo XX. Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1983. ISBN 88-203-0053-2
MULLER, Werner – Atlas de Arquitectura vol1. Madrid: Alianza Editorial, 1992.
ISBN 84-206-6997-0
MUMFORD, Lewis – A Cidade na Historia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ISBN 85-336-0847-0
NORBERG-SCHULZ, Christian – Arquitectura Ocidental. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001. ISBN 84-252-1805-5
ROTH, Leland – Entender la arquitectura. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2000. ISBN 84-252-1700-8
PIJOAN, José – El arte egipcio : hasta la conquista romana . Madrid : Espasa-Calpe, 1966 .
SHULZ, Regine; SEIDEL, Mathias - Egipto: O mundo dos Faraos. Köln: Könemann, 2001. ISBN 3-8290-5992-2
WILDUNG, Dietrich - O Egitpo : da Pre-historia aos Romanos. Köln: Taschen, 1998. ISBN 3-8228-7698-4
The Amarna Site. [on-line]. 2007. [citado em Outubro de 2007] Disponível em : http://www.amarna.co.uk/
The Ancient City of Akhetaten at el-Amarna. [on-line].2007.[citado em Outubro de 2007] Disponivel em: http://touregypt.net/featurestories/amarna.htm
Vários Autores – Wikipedia, The free Encyclopedia. [on-line]. 2007. [citado em Outubro de 2007] disponivel em http://www.en.wikipedia.org/wiki/Main_Page
[1] Não resisto a comentar em especial este site na Internet nuito bem conseguido e com uma selecção de imagens de grande qualidade e muito significativo para o entendimento do tema proposto . Visita Obrigatória. Motivo pelo qual a minha selecção de imagens é mais reduzida do que eu pretendia inicialmente.
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